Por Larissa da Cruz e Davi Rodney Silva
A imputação de falta disciplina ao apenado depende da instauração de Procedimento Administrativo Disciplinar (PAD), de acordo com o artigo 59, da Lei de Execução Penal – 7.210/84; e, caso a conduta do reeducando tenha natureza grave ou implique na configuração de crime doloso, além do PAD, é necessária a realização de audiência de justificação, por força do artigo 118, §2, da mesma lei.
Esta é a redação da lei, que, no entanto, não ficou imune às intervenções do Poder Judiciário, consubstanciando verdadeira amálgama de entendimentos.
Em 2015, reforçando o conteúdo do artigo 59 da LEP, o Superior Tribunal de Justiça editou a súmula 533, que dispõe da seguinte redação:
Súmula 533-STJ: Para o reconhecimento da prática de falta disciplinar no âmbito da execução penal, é imprescindível a instauração de procedimento administrativo pelo diretor do estabelecimento prisional, assegurado o direito de defesa, a ser realizado por advogado constituído ou defensor público nomeado (STJ. 3ª Seção. Aprovada em 10/06/2015, DJe 15/06/2015).
Recentemente, todavia, em sede de julgamento de recurso extraordinário com reconhecida repercussão geral, o Supremo Tribunal Federal firmou entendimento, por maioria de votos, de que a audiência de justificação supre a instauração de Procedimento Administrativo Disciplinar.
Entendeu-se que a dispensabilidade de instauração do procedimento de natureza administrativa não afastaria o contraditório material e a ampla defesa, uma vez que a realização de audiência de justificação tornaria possível o arrolamento de testemunhas, produção de provas e depoimento pessoal do condenado, assegurando as mencionadas garantias constitucionais.
Ainda no esteio do novo entendimento, sendo a jurisdição brasileira una, a partir do princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, a audiência judicial garantiria a observância dos direitos mínimos ao apenado, haja vista que as decisões administrativas podem ser sempre revistas em âmbito judicial. Este argumento, por si só, afastaria a tese de inconstitucionalidade pela não instauração do PAD.
Isto porque, como entendeu o Ministro Luís Roberto Barroso, a oitiva do condenado pelo Juízo da Execução Penal, em audiência de justificação realizada na presença do defensor e do Ministério Público, afasta a necessidade de prévio Procedimento Administrativo Disciplinar (PAD), assim como supre eventual ausência ou insuficiência de defesa técnica no PAD instaurado para apurar a prática de falta grave durante o cumprimento da pena (STF. Plenário. RE 972598, Rel. Roberto Barroso, julgado em 04/05/2020).
Ou seja, o raciocínio é de que, se o apenado tem “o mais” (audiência de justificação), é dispensável “o menos” (PAD). Olvida-se, todavia, que soma dos dois procedimentos, isto é, a realização de ambos, representa reforço de garantias.
A audiência de justificação, tal como encarada pelo Supremo, em que pese representar um mínimo de proteção dos direitos do apenado, não deve automaticamente dispensar a dilação probatória administrativa que, como em muitos outras situações, serve de base à prestação jurisdicional.
Verifica-se que, enquanto o PAD deve ser consectário de toda e qualquer imputação de falta disciplinar, a audiência de justificação tem lugar apenas – e em acréscimo ao PAD – para situações envolvendo natureza grave da conduta ou que importe crime doloso.
À evidência, as faltas disciplinares graves logicamente importam consequências mais gravosas ao apenado, como é o caso da regressão de regime e reconsideração de dias a serem remidos.
A independência das esferas administrativa e judicial reforça o texto da lei, pois, como lembrou o Ministro Marco Aurélio em seu divergente voto, (...) descabe procedimento judicial a usurpar o que estabelecido para processo administrativo. A situação não se confunde com o controle de legalidade, exercido no âmbito do Judiciário. Conforme assentou o Pleno no julgamento do recurso ordinário em mandado de segurança nº 26.510, relator ministro Cezar Peluso, publicado no Diário da Justiça Eletrônico de 26 de março de 2010, as instâncias penal e administrativa são independentes entre si.
As formas do Direito Penal no Brasil tendem, sem dúvida, não apenas a enviar apressadamente as pessoas ao cárcere, como acontece com a distorcida prisão preventiva, mas também em mantê-las nas masmorras, com a ânsia de, na execução, encurtar os meios de defesa que visem a evitar o prolongamento do cumprimento da pena.
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